Por Carolina Riveira
Mas nada se compara à guerra na Ucrânia, que coloca o governo Vladimir Putin em um embate sem precedentes, e sem saída à vista para o mandatário russo. “A Rússia selou um divórcio com o mundo ocidental. E terá de se virar a partir daí”, resume Thiago de Aragão, diretor de estratégia da consultoria Arko Advice e mestre em Relações Internacionais, baseado nos Estados Unidos.
Aragão falou à EXAME sobre os impactos do conflito no petróleo, a relação com a China e as preocupações da Europa, como parte da seção Capa do Dia sobre a economia da Rússia (e antes do anúncio feito pelos EUA sobre a proibição do petróleo russo, que chacoalhou os mercados na terça-feira, 8). Com as negociações diplomáticas ainda engatinhando, as reviravoltas devem continuar nos próximos dias. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Primeiro, há os impactos nas áreas que já sabemos, a alta do petróleo, alta no trigo, em diversas commodities. E o impacto das sanções para economia russa também acaba afetando a Europa, que vai ter de se reposicionar em termos de fornecimento de gás.
Por outro lado, um dos aspectos relevantes é que a China vai passar a ter um fornecimento mais dedicado a ela partindo da Rússia, porque a Rússia não vai ter tantas outras outras opções para exportar gás, petróleo, alumínio, lítio. Se a China garante uma fonte contínua e tranquila de lítio da Rússia, não vai precisar buscar em tantos lugares no mundo como faz hoje, o que é importante para produzir baterias, por exemplo.
A alta do petróleo no mercado internacional não pode minimizar o impacto das sanções para a economia russa?
A Rússia selou um divórcio com o mundo ocidental, com a Otan, com a Europa e com vários países aliados aos Estados Unidos. E vai ter de se virar a partir daí.
Mas uma diferença é que, antigamente, as sanções cobriam países que não tinham poder de gerar um ambiente saudável comercial entre eles, como Cuba, Coreia do Norte, Venezuela. Mas, quando se tem China, Rússia, Irã, dentro de um universo de sanções, esses países produzem coisa suficiente que possam criar um microcosmos de funcionamento entre eles. E, assim, o impacto das sanções pode acabar sendo um pouco minimizado. Claro que a economia russa não vai decolar, mas enquanto eles têm a China por perto, também não vai afundar.
Como fica a relação geopolítica com a Europa?
A Europa vai ficar em alerta máximo durante um bom tempo, mesmo depois da guerra na Ucrânia. Porque se o Putin obtiver uma vitória, vai poder sempre ameaçar outros países que não são da Otan, como Moldávia, Geórgia, sem o temor de ter algum tipo de retaliação. Porque, primeiro, ele já vai ter sofrido sanções econômicas ao máximo. Em segundo lugar, ele vai saber que a Otan não vai fazer nada militarmente.
O risco é se a Rússia resolve fazer algo em relação a Estônia, Letônia, Lituânia, e até dois países que não são da Otan, Suécia e Finlândia, que Putin já ameaçou. Mas esses são países que são da União Europeia, de modo que eu acho muito improvável que, se a Rússia fizesse uma ação militar contra a Suécia, por exemplo, não teria o envolvimento de tropas da Otan para defender.
Essa relação China-Rússia é parecida com a de outros países emergentes, ou o caso russo é específico? Qual é o papel da China hoje?
A China tem de fato um papel muito importante, obviamente não só pra Rússia, é o país chave para inúmeros emergentes no mundo.
Com os emergentes, a China consegue fazer uma via de mão dupla, compra commodities e exporta manufaturados. E vários países emergentes não têm uma capacidade econômica para, por exemplo, comprar dos países desenvolvidos o que eles querem ou precisam no âmbito tecnológico. E quando a China desenvolve similares que são tão bons quanto e mais baratos, isso faz com que vários países emergentes se tornem dependentes.