O primeiro debate entre os candidatos à Presidência da República dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump e Kamala Harris, na noite de terça-feira (10), foi marcado por trocas de acusações em temas centrais da corrida à Casa Branca e pelo tom mais assertivo de Harris, que empurrou o adversário para a defensiva e conseguiu se impor até em temas mais confortáveis para Trump, como imigração e economia.
Enfática e expressiva, Kamala Harris investiu em ataques a Trump, procurou se desmarcar de Joe Biden ao mesmo tempo em que defendeu seu governo e evocou, com oratória segura, seu passado como procuradora-geral.
Segundo levantamento do jornal “The New York Times”, Trump passou a maior parte do debate, de pouco mais de 90 minutos, se defendendo de ataques da adversária, ao contrário do enfrentamento que teve em junho contra o presidente Joe Biden. Na ocasião, o republicano foi quem mais fez ataques.
Donald Trump, que começou o debate repetindo o tom mais calmo que adotou no cara a cara contra Biden, também foi optando por falas mais agressivas ao longo do enfrentamento em reação a provocações constantes da adversária.
Trump tentou atrelar Harris a Joe Biden, tentando tirar proveito do mau desempenho do presidente. “Ela é Biden. Ela está querendo se afastar de Biden, mas ela é Biden”, disse.
“Claramente, eu não sou Biden, e certamente não sou Donald Trump. Estou querendo oferecer uma nova geração de líderes aos americanos”, retrucou Kamala Harris. “Deixe eu te lembrar que você não está concorrendo com o Joe Biden. Você está concorrendo comigo”.
A atual vice-presidente dos EUA disse ter passado os quatro últimos anos “limpando a bagunça de Donald Trump”, acusou o ex-presidente de deixar o governo com altas taxas de desemprego e com uma política externa desastrosa e criticou sua gestão da pandemia.
Harris foi especialmente enfática e cresceu no debate ao ser questionada sobre aborto. Disse que seu adversário vai liderar um “plano nacional para banir o direito ao aborto”, o que Trump negou.
O ex-presidente acusou a adversária de “querer fazer operações transgênero pelo país”, a chamou de “marxista” e disse que os EUA se tornarão “uma Venezuela com anabolizante” caso a Harris vença. Também acusou a candidata de ter um plano para “confiscar as armas de todo mundo”, o que a democrata não só negou como retrucou dizendo que ela própria e seu candidato a vice, Tim Walz, têm armas.
Trump insistiu também em discursos voltados ao seu eleitorado, como o de que o país está sendo “invadido” por criminosos estrangeiros. Em cinco ocasiões diferentes, repetiu o discurso anti-imigração, desvirtuando de outros temas. Chegou a dizer que imigrantes estão comendo cachorros de norte-americanos, fala que foi seguida de uma risada alta de Kamala Harris e de uma correção quase imediata dos apresentadores.
Após o debate, a equipe de Donald Trump se queixou das correções rede de TV ABC, que realizou o debate e fez checagens em tempo real.
O enfrentamento foi também o primeiro encontro entre o republicano e a democrata, que nunca haviam ficado frente em frente ao vivo. Antes mesmo do início do debate, quando entraram no estúdio, Kamala Harris adotou uma postura mais assertiva. Caminhou até o púlpito do candidato republicano, estendeu a mão e disse: “bom te ver”.
Para Kamala Harris, o debate foi a primeira e, talvez, única oportunidade de se apresentar para o público geral — uma pesquisa do “The New York Times” afirmou que 28% dos eleitores não sabem bem quem ela é — e de tentar fazer chegar ao eleitorado de Trump o discurso de que seu rival, um bilionário, só governará para si mesmo, enquanto ela, uma ex-procuradora-geral, seguirá pensando no povo.
Ao responder à primeira pergunta, sobre economia, ela disse que “vim da classe média e seguirei governando para a classe média”, enquanto Trump “governará para ele mesmo”. “Meus valores não mudaram”, afirmou a democrata, que se esquivou ao ser questionada sobre se a economia do país estava melhor agora do que há quatro anos. Ela disse apenas que reduzirá taxas para a compra de imóveis.
Raça
Como esperado, Donald Trump evitou ataques pessoais a Kamala Harris, mas foi perguntado pelos apresentadores por que questionou a identidade racial da adversária durante um comício em julho.
“Eu não ligo o que ela é, não podia me importa menos. Eu disse aquilo porque li que ela não disse era branca”, disse o republicano.
Harris, que também tem evitado explorar demais as questões de raça e gênero, aproveitou o momento para evocar o passado “racista” de Trump. “É uma tragédia que tenhamos alguém que queira ser presidente e que tenta usar a raça para dividir o povo americano. Não queremos essa abordagem, especialmente sobre raça”, disse.
Guerra em Gaza e na Ucrânia
Quando os temas de Israel e da guerra em Gaza foram colocados no debate, as atenções voltaram para Kamala Harris — seus comícios têm sido alvo de protestos pró-Palestina por conta do apoio que o governo de Joe Biden tem dado a Israel desde o início do conflito.
Em uma fala repetida e sem riscos, a democrata disse apoiar o direito de defesa de Israel mas achar que “vidas inocentes demais foram pedidas em Gaza”, e, por isso, defende o acordo de cessar-fogo e a solução de dois Estados.
Trump foi mais enfático ao falar sobre o tema: “Se eu fosse presidente, a guerra nunca teria começado. Se eu fosse presidente, a Rússia nunca teria invadido a Ucrânia. Eu conheço o Vladimir Putin muito bem”. Ele também acusou Harris de “odiar Israel e a população árabe”.
Aproveitando o gancho aberto pelo próprio adversário ao mencionar Putin, a democrata disse que “é sabido que ele admira ditadores” e disse que, se a guerra tivesse ocorrido na gestão de Trump, o presidente russo estaria “sentando em Kiev olhado para a Europa” e teria “almoçando” o republicano.
Sobre o conflito na Ucrânia, Trump disse que tem “um bom relacionamento” tanto com Putin quanto com presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky e prometeu que dará um fim à guerra caso seja eleito. Já Biden, afirmou o republicano, não tem boa relação com nenhum dos dois.
Harris defendeu a atuação da gestão de Biden na guerra da Ucrânia. “Se não fosse ele, Putin estaria sentado na Europa”.
Antes do debate, especialistas estimaram que o cara a cara deveria ocorrer sem grandes riscos de ambos os lados, por conta da disputa apertada entre os dois – que aparecem em empate técnico nas últimas pesquisas de intenção de voto.